domingo, março 19, 2006

'La Noche Del Terror Ciego'

Há poucos dias foi-me parar, à frente da vista e às mãos, um filme de terror intitulado "La Noche Del Terror Ciego". Daqueles filmes de terror bastante duvidoso, que só nos provocam sorrisos e a que é impossível assistir em silêncio e sem comentar tudo o que de mau vai aparecendo.
O título é em espanhol... claro que já tinham reparado, mas o mais interessante e fantástico é que esse filme foi rodado em Portugal. E, melhor ainda, foi uma co-produção nuestro-hermânica/portuguesa. E, ainda melhor, foi filmado em 1971. Sim, antes do 25 de Abril (o de 1974)!

Não tenhamos ilusões. Nunca o nosso Marcelo Caetano ou a sua Censura o permitiriam. Então anda-se a rodar um filme na região de Lisboa e Vale do Tejo, em que cavaleiros templários se levantam das sagradas campas e perseguem meninas...?! E, para além do mais, essas meninas nem são virginais e inocentes? Pois não... o filme possui inclusivamente um flashback em que as protagonistas recordam cenas de relações lesbianas aquando a adolescência passada num colégio interno! Agora, sim, toda a gente quer ver isto!

Mas voltemos ao mais mundanamente comentável do filme: a rodagem, camuflada, de um filme proibido no decorrer da ditadura portuguesa pré-1974. A Censura, ou a PIDE/DGS, são frequentemente apontadas como implacáveis, mas apenas quando se conseguia descobrir algo ou acusar o que era por demais evidente. De resto, não se podia dizer o que se queria, mas conseguia-se fazê-lo passar... por palavras semelhantes, disfarçado por eufenismos; enfim, era um jogo do gato e do rato em que o primeiro era gordo, corria devagar e estava dotado de uma sagacidade deveras duvidável. Felizmente.

Não penso que tenha sido o objectivo do autor e realizador Amando de Ossorio fazer uma qualquer crítica ou provocar uma reflexão relativamente à sociedade portuguesa e à sua situação. Teve que andar pela sombra, é verdade, mas não terá passado disso. O que ele queria era fazer um filme de terror com um toque ligeiramente picante, e fazer as meninas (as da plateia) corar e depois fazê-las saltar na cadeira. Tê-lo-á conseguido, talvez, mas mediocramente.

Mas o que ele conseguiu realmente, sem o saber, foi criar uma bela duma analogia com a situação nacional contemporânea. Então "La Noche Del Terror Ciego"...?! Se pensarmos no período da ditadura como um período de trevas, de escuridão, de Noite; na frente de ataque personalizada pela DGS, que instituía, ou tentatava instituír, um ambiente de Terror àqueles que afrontavam o regime. Mas, finalmente, era por vezes um Terror Cego. Tal como no filme, em que os Cavaleiros Templários (que nada viam) só conseguem apanhar as meninas porque estas não param de gritar. Bastava fazer pouco barulho para escapar-lhes. Está tudo dito, não? Talvez ainda se possa referir que esse Terror é protagonizado por seres totalmente fora-de-prazo...

Genial, Sr. Ossorio! Já tinha reparado?


O Vosso,
Eládio